30. O INTERNATO
(fatos ocorridos entre 1966 e 1969)

          Justamente devido a tanta atividade na praia e tão pouca na escola, meus pais decidiram que eu deveria estudar em um internato, o Colégio São José de Petrópolis (Um bom colégio com exelentes diretores), distante das praias cariocas. Um belo dia entramos no carro e viajamos até Petrópolis, naquela época uma pequena e tranqüila cidade, cercada de belas obras como o Museu Imperial e a Catedral, onde repousam os restos mortais do último monarca brasileiro, Dom Pedro II.

          A entrada em Petrópolis me assustou, era uma tarde cinza e fria e o silêncio incomodava. O prédio da escola era antigo, da época do império, mas impressionava por suas linhas clássicas. O Diretor, Dr. Mário, nos recebeu em sua sala, onde conversamos demoradamente, depois o acompanhamos em uma visita ao colégio, que era bem maior do que imaginara. Eram cerca de quatro horas da tarde quando meus pais se despediram e partiram de volta ao Rio de Janeiro, a volta devia ser feita sob a luz do sol para evitar os perigos da estrada. Fiquei só, caminhando na calçada, aguardando a hora do lanche (aos sábados e domingos não havia jantar, mas lanche).


          Havia notado um rapaz sentado na calçada, mas não quis me aproximar por não conhecê-lo. Foi quando este rapaz perguntou se eu estava com frio, chamando-me de pingüim e convidando-me a sentar com ele. Fiquei indeciso um segundo, pois não sabia se ele estava brincando ou mexendo comigo. Sentei-me ao seu lado e começamos a conversar, primeiro sobre o frio, depois sobre o colégio e sua forma de funcionamento. Este rapaz acabou se transformando em um de meus melhores amigos no internato. Ele se apresentou para mim dizendo: "Eu sou o "Dez". A princípio não entendi.

          Mas no internato ninguém sabia o nome de ninguém, apenas o número de registro, exceto aqueles pelos quais tínhamos grande amizade, isto porque eram muitos. Só em meu dormitório eram quase cem camas, como guardar o nome de todos? Meu número era dois e os números dos meus melhores amigos eram 46, 10, 115 e 86. Infelizmente o único nome que consigo lembrar é de meu melhor amigo na época, o português Amado Luzamor dos Reis Moreira, o 46, hoje residente em Cabo Frio.

          O colégio era rigoroso e todos os nossos atos eram vigiados de perto, das refeições ao banho, do despertar ao recolher, dos armários aos estudos, inclusive as brincadeiras, sempre havia um inspetor próximo a nós. O interessante é que acostumamos a esse controle e passamos a viver com naturalidade. Mas a sensação de liberdade que sentíamos ao sair daquele velho prédio era indescritível.

          O mais interessante é que as aulas, que deviam ser mais vigiadas, eram mais livres! A maioria das aulas eram muito boas, mas sempre havia uma sala onde alguns discutiam filmes e outros batucavam sambas em suas carteiras. Às vezes o samba ficava irresistível, principalmente quando o horário era de Ciências, o coitado do professor era surdo e não escutava sequer as nossas cuícas! Todos os sons eram feitos apenas com as mãos e as carteiras escolares.

          Ainda bem que haviam os "estudos dirigidos", espécie de estudo forçado de cerca de duas horas à tarde. Os estudos eram vigiados e aqueles que brincassem ou tentassem enganar os inspetores tinham seus nomes incluídos em uma "lista de castigo". Quando seu nome aparecia nesta lista você começava a receber castigos que iam de perda do direito de sair do colégio no fim de semana à detenção por tempo indeterminado, dependendo da gravidade da falta.



Alma Poética - Contador