31.
AS BRINCADEIRAS
(fatos ocorridos entre 1966
e 1969)
No
internato aprontávamos mil brincadeiras para afastar a solidão
e as saudades de casa, afinal a maioria dos internos estava
muito longe de casa, tínhamos colegas da Bahia, do Pará, do
Paraná e, até, de Portugal. Quanto mais distante o lar, maior
a saudade. E a nossa união era muito grande, dificilmente
haviam brigas, a não ser com os "externos", alunos que viviam
além dos muros do colégio. Gostávamos de brincar de polícia
e ladrão e quem era polícia na primeira vez era ladrão na
segunda, senão ninguém queria ser ladrão. Este fato não se
dava por motivos morais, mas porque já era tradição os ladrões
levarem algumas pancadas da polícia.
A brincadeira
começava com os policiais se fechando em uma sala, enquanto
os ladrões corriam pelos grandes pátios do colégio para se
esconderem. Em alguns minutos os policiais saiam da sala e
iniciavam a "caçada". Então o colégio era tomado por um raro
silêncio, os ladrões se escondiam e os policiais os procuravam
em silêncio. De repente um policial localizava um esconderijo
com alguns ladrões e começava a bagunça, ladrões correndo
para não apanharem e policiais correndo para não deixar de
bater.
Certa
vez um colega nosso se escondeu na caixa d'água de um velho
casarão que fazia parte da escola (mas que era condenado e
proibido aos alunos) e só apareceu horas depois do fim da
brincadeira, com medo de apanhar. Outro colega se pendurou
na janela do segundo andar do casarão e um policial, um pouco
mais violento, pisou em seus dedos e o fez despencar. Graças
a Deus nunca ninguém se machucou nestas brincadeiras. O medo
de apanhar dos policiais, aliado à alegria de os ludibriar,
fazia com que realizássemos algumas façanhas.
Certa
vez um de nossos colegas se escondeu no chiqueiro (outra área
proibida aos internos) e passou a noite fedendo como um porco,
apenas as moscas dele se aproximavam. Uma vez eu e um colega
estávamos procurando um refúgio seguro e (um fazendo escadinha
e ajudando ao outro) pulamos para o forro do casarão, um lugar
cheio de baratas e ratos, e escapamos dos ferozes policiais.
Outra
boa brincadeira era a "Guerra de Pudins". A cozinheira guardava
pães velhos para fazer pudins de pão, que eram "disputados
a tapa", não para serem comidos mas, por serem muito
duros, servirem de munição nas famosas Guerras de Pudins,
que se realizavam logo após o almoço. Lembro-me de que nunca
ninguém saiu gravemente ferido nestas batalhas, mas certa
vez um destes pudins atingiu minha perna direita e eu fiquei
alguns dias mancando, era fogo.
O interessante
é que os Inspetores, encarregados da disciplina, não se importavam
com nossas guerras e brincadeiras, creio que eles também já
tinham passado por isto. Mesmo um inspetor terrível como o
Pedro Paulo, ficava sorrindo como um bobo enquanto apreciava
nossas guerras. Nunca entendi a filosofia contida nestes fatos,
afinal os Inspetores, com raras exceções como o Guedes, eram
nossos inimigos mortais e viviam nos perseguindo dia e noite.
Será que isto significava que eles também eram humanos?