40. A CAÇADA
(fatos ocorridos entre 1973 e 1977)

          Eu e meu ex-cunhado Greisson gostávamos muito de aventuras e sempre estávamos nos metendo em alguma confusão como o dia em que resolvemos subir a Serra Dourada a pé (nesta oportunidade ele salvou o dia duas vezes, uma quando achou a pistola Beretta que eu havia perdido e outra quando conseguiu achar o meu carro na mais completa escuridão) ou o dia em que resolvemos invadir uma fazenda próxima à Cidade de Goiás para explorar uma serra pedregosa e acabamos sendo expulsos de lá por dois peões armados até os dentes. Mas é preciso dizer que se eu pudesse voltar atrás no tempo eu não abriria mão de nenhuma destas aventuras loucas e maravilhosas.

           Um dia o Greisson me disse que seu primo Guemêzinho gostava de caçar e tinha muita experiência nesta área, sugerindo que fôssemos à cidade de Goiás para partiucipar de uma destas caçadas. Eu, que na época era maluco por aventuras, tratei de telefonar para o Guemêzinho e marcar uma caçada com ele, pensando que esta caçada seria apenas uma caminhada diurna por uma floresta, sem grandes perigos.

          Ao chegarmos em Goiás, eu armado com minha cartucheira e minha pistola Beretta e o Greisson com minha espingarda semi-automática, éramos pura animação, o Guemêzinho que, como seu falecido pai, é uma simpatia, nos recebeu com muita alegria e logo estávamos reunindo o material para partirmos para minha primeira e última caçada. Não sei se nunca mais caçei por causa de meu amor pelos animais ou por causa desta caçada, que foi ótima como aventura, mas bastante perigosa.

          Em seguida nos dirigimos até a Floresta do Índio, nas proximidades da Cidade de Goiás, e em seus limites estacionei meu carro sob uma sombra próxima a uma casinha de um peão que o Guemêzinho conhecia. Pegamos armas, equipamentos e suprimentos e partimos valentemente para o interior da floresta. Eu me sentia o próprio Indiana Jones, com minha cartucheira armada e engatilhada, pronta para entrar em ação em qualquer eventualidade. Hoje vejo como éramos malucos e felizes.

          Com o Guemêzinho liderando fomos nos adentrando na floresta, sofríamos muito com o calor (eu pensava que sob o manto das árvores não sentiríamos tanto calor) e ficamos felizes quando nos deparamos com um córrego de água límpida e fresca. Depois de descansar e encher nossos cantis partimos para o interior da floresta, que me parecia gigantesca, até nos depararmos com um pequizeiro (árvore cujo fruto é o pequi, muito apreciada no centro-oeste) carregado, que foi indicado pelo Guemêzinho como o local ideal para montarmos a "espera". Foi então que percebi que passaríamos a noite ali à espera de nossa caça, fiquei amedrontado mas procurei demonstrar valentia para não passar vergonha na frente de meu ex-cunhado e seu primo.

          Cada um escolheu um galho para montar sua rede e esperar a noite, o galho escolhido pelo Greisson era logo acima do meu. Deitamos com nossas armas e ficamos à espera do fim do dia. O Guemêzinho havia adaptado nossas lanternas às nossas armas para a caça noturna. Dormi um pouco e quando abri os olhos vi que o Greisson dormira com o dedo no gatilho (devia estar com medo também) e o cano de sua espingarda apontava diretamente para os meus olhos. Primeiro afastei sua espingarda do meu rumo e depois acordei ele bem devagar para que ele não se assustasse e puxasse o gatilho, então dei-lhe uma bronca, onde se viu dormir com o dedo no gatilho com a arma apontada para mim!

           A noite caiu rapidamente e logo estávamos em absoluto silêncio (apenas quebrado por minha comilança) esperando nossa caça, como nada acontecia acabei dormindo, fui acordado com um disparo da cartucheira calibre doze de cano duplo do Guemêzinho, que ouvira um bicho e pregou fogo em sua direção. Eu guase morri de susto, nunca havia sido acordado por uma cartucheira. A partir deste momento fiquei acordado e pude ouvir os rugidos de duas onças que brigavam (provavelmente dois machos brigando por uma fêmea) a uns cinquenta metros de nós. Foi uma noite interminável na qual não consegui nem cochilar e agradeci a Deus quando os primeiros raios do sol tingiram o horizonte de laranja. Nós haviámos sobrevivido a mais uma de nossas aventuras, esta com certeza a mais perigosa de todas.

           Voltávamos para casa alegres por termos sobrevivido, mas tristes por não termos caçado nada para o almoço, provavelmente seríamos motivo de risos dos familiares. Foi quando um pobre coelho cruzou o nosso caminho, levantei minha cartucheira e preguei fogo nele. Pronto, já tinhamos algo para o almoço e para evitar as risadas dos parentes. Mas este coelho foi especial para mim, foi o primeiro e último ser que eu matei, prometi nunca mais eliminar nem mesmo uma formiga. Deixei as minhas espingardas em casa quando me divorciei e nunca mais as vi, aprendi que armas são instrumentos que só provocam morte e sofrimento.



Alma Poética - Contador