18.
A EUROPA
(fatos ocorridos entre 1965
e 1966)
Vivíamos
a fervilhante década de 60, em plena ditadura militar, eu
era um estudante com idéias socialistas e meu pai um democrata
com idéias de afastar-me dali. Afinal estudantes eram presos
todos os dias e sumiam nos porões da ditadura. A simples
prisão, naqueles dias, poderia significar a tortura e a morte.
Então meu pai tomou a sábia decisão de me enviar ao exterior,
para um giro pela Europa, visto que eu já conhecia a América
do norte e que meus tios Paulo e Lourdes, já falecidos,
residiam na Europa e poderiam me orientar e apoiar.
Mas
não pensem que meu pai era um homem rico e que, por isto,
eu banquei o turista de luxo. As viagens, em companhia de
meu primo Marco Antônio Cunha, também estudante e socialista,
eram feitas de trem (o transporte mais barato da época)
ou pegando caronas e as hospedagens eram em pensões bem simples
ou em hospedarias para estudantes. O combinado era que o tio
Paulo, pai do Marco, que era conselheiro da Embaixada do Brasil
em Belgrado, que na época era a Capital da Iugoslávia,
estaria nos aguardando no Aeroporto Internacional de Orly,
em Paris.
Meu
tio nos levaria para a Iugoslávia e nos entregaria a fabulosa
quantia de mil dólares, com os quais faríamos nossas despesas
na viagem. Quando desembarcamos em Orly não encontramos ninguém,
então com muito custo conseguimos localizar o balcão da Varig
e perguntamos sobre o tio Paulo. A moça atrás do balcão, para
nosso espanto, disse que tinha um recado para nós e nos entregou
um telegrama. Era tio Paulo avisando que não pudera ir a Paris
nos esperar e pedindo para que fôssemos para a Iugoslávia.
Ficamos
espantados, estávamos sós em Paris com pouquíssimo
dinheiro nos bolsos! Pegamos um taxi e, depois de muito esforço,
conseguimos explicar nosso destino: a Embaixada do Brasil.
Nunca mais tomo um taxi em Paris. O cara correu tanto e fez
tantas loucuras no trânsito que no meio do caminho eu já estava
desistindo da viagem. Ao chegarmos à embaixada, surpresa geral:
eram cinco e dez da tarde e a embaixada já estava fechada.
O problema é que era uma sexta-feira, 31 de dezembro. O que
fazer?
Meu
primo perguntou ao motorista de taxi onde ficava a agência
da Varig em Paris. Para nossa sorte ela ficava naquela mesma
avenida, alguns quarteirões adiante. Então meu primo, mais
velho, tomou a decisão de ir andando até lá, enquanto eu aguardava
ali com as malas. Eu estava em uma galeria, onde havia várias
portas que eu supunha serem da embaixada. Coloquei as malas
encostadas em uma destas portas e me sentei sobre elas, a
temperatura na galeria, que era aberta para a avenida, devia
estar em uns cinco graus negativos. Comecei a me congelar,
sentindo cãibras nas pernas, e me lembrei de que desde as
dezoito horas do dia anterior, quando jantara ainda no Brasil,
não havia conseguido comer nada, e já eram quase dezoito horas
do dia seguinte. A fome me atingiu como nunca havia atingido
antes.
No
bolso só havia um saquinho de amendoins cobertos de chocolate,
que havia comprado no aeroporto mas que, com a pressa, não
tinha me lembrado de comer. Comecei a tirá-los um por um e
a degustá-los lentamente, como se cada um fosse o manjar dos
deuses. Quando terminei percebi que anoitecia. E agora? Devo
esperar pelo Marco ou chamar um taxi e ir atrás dele? De repente
a porta atrás de mim se abriu e eu caí dentro de uma sala
de visitas, quase matando de susto a velhinha dona da casa.
O fato é que na galeria, além da embaixada, haviam residências.
Tive que me explicar correndo enquanto ela, nervosa, tentava
chamar a polícia. Quando consegui me entender com ela, explicando
todo o acontecido ela me disse que guardaria minhas malas
enquanto eu fosse atrás de meu primo.