12. AVENTURAS NAS ESTRADAS
(fatos ocorridos entre 1954 e 1958)

          Viajar pelo interior do Brasil nas décadas de cinqüenta e sessenta era uma aventura e nós vivemos inúmeras, pois a cada oportunidade enfrentávamos as terríveis estradas daquela época para retornar à nossa querida Ipameri. As estradas eram de terra, estreitas e na época das chuvas transformavam-se em um pesadelo de lama para quem, como nós, tentasse atravessá-las.

     
    Em uma destas viagens chegamos à ponte rodo-ferroviária sobre o Rio Corumbá e percebemos que o sinaleiro não estava em seu posto. O sinaleiro ficava em uma das extremidades da ponte, organizava o fluxo de veículos e avisava aos motoristas quando algum trem se aproximava com uma bandeirola vermelha, visto que a ponte era estreita e só poderiam passar veículos em uma direção de cada vez. Não avistando o sinaleiro, meu pai concluiu que não deveria haver trens naquele horário e começou a travessia, quando estávamos quase no meio da ponte vimos, apavorados, o trem surgir apitando na outra ponta. Meu pai, que era um excelente motorista, engatou a marcha ré, conseguiu tirar o carro da ponte e por um triz evitar o desastre.

          Estávamos todos apavorados dentro do carro, mas eu tive uma crise de riso que, a princípio, irritou meus pais, não sei se ria de nervosismo ou de alívio, mas era um riso contagiante e logo todos estávamos dando gargalhadas. Alguém que assistisse à cena certamente nos tomaria por loucos varridos.

          Uma das viagens mais terríveis e engraçadas que fizemos (não estranhe, mas temos o costume de rir de nossas desgraças) foi quando meu pai arrumou um carro emprestado para irmos de Goiânia a Ipameri. Uma viagem de apenas duzentos quilômetros que normalmente percorríamos em doze horas, inclusive com uma parada de meia hora para o almoço. Acontece que o tal carro emprestado não tinha a primeira marcha e em todas as subidas tínhamos que empurra-lo. Os heróis e heroínas sobreviventes desta maratona foram meus pais, eu, minha irmã e minha prima Cirene, chegamos de madrugada, quase mortos, em Ipameri. No dia seguinte meu pai mandou o carro para a oficina para que não se repetissem na volta as cenas terríveis e hilariantes da ida.

          Em outra oportunidade lembro-me que era época de chuvas e fizemos uma viagem de Ipameri a Caldas Novas, distantes cerca de quarenta quilômetros uma da outra. Meu pai, que era um motorista prevenido, levava algumas taboas amarradas aos pára-choques e algumas ferramentas, inclusive pá e enxada. Quando nos aproximávamos da metade do caminho vimos um atoleiro enorme com vários veículos atolados, nestas oportunidades a solidariedade entre os motoristas e suas famílias mostrava-se muito forte.

          Os motoristas fizeram uma breve reunião, da qual participei na condição de sapo, e decidiram que a melhor opção era cortar caminho por uma fazenda que margeava a estrada. Depois de alguns minutos saltitando pela tal fazenda, atravessamos um riacho sem ponte e retornamos à estrada. Aquelas viagens eram pura adrenalina, o que hoje costumam chamar de esporte radical.

          Muitas vezes fiz estas viagens sozinho, para ir ao encontro de minha namorada, nas férias ou em finais de semana prolongados. Não tinha medo de acidentes ou de assaltantes, pois isto praticamente não existia, mas temia ficar preso nos trechos de até cinqüenta quilômetros entre as cidades, pois naquela época não haviam postos de gasolina ou oficinas naquelas estradas e alguns trechos eram realmente desertos, onde quase não circulavam veículos. Também é interessante destacar que placas e sinalizações rodoviárias eram coisas que não existiam naquelas estradas de terra, nós dirigíamos por instinto e às vezes tomávamos a estrada errada e precisávamos voltar dez ou vinte quilômetros para retornar à estrada certa, cada viagem era pura emoção.

          Um bom motorista levava um jogo de ferramentas e peças sobressalentes como correias e velas e pelo menos um galão com vinte litros de gasolina. Quem não tomava essas providências corria o risco de passar alguns dias na estrada, contando com a boa vontade dos outros motoristas, o que era coisa comum naqueles bons tempos. Meu pai foi o melhor motorista que conheci (atualmente meu filho detem o título) e ele me dava dicas preciosas, como a que diz: Se chegar em uma bifurcação sem sinalização, siga sempre pela estrada com mais sinais de movimento. Isto hoje pode parecer bobagem, mas depois que aprendi esta dica nunca nunca mais errei o caminho.



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