34. AS FÉRIAS
(fatos ocorridos entre 1966 e 1969)

          Durante as férias minha família sempre ia a Ipameri, onde encontrávamos nossos entes queridos e nossos velhos amigos. Era ótimo porque tínhamos uma liberdade que nunca teríamos no Rio naquela época. Algumas vezes levei o meu amigo 46 (Amado) nessas viagens. Naquele tempo não se ia do Rio a Ipameri em menos de dois dias. Pegávamos um ônibus de madrugada no Rio e descíamos em São Paulo e tomávamos outro para Ribeirão Preto, onde geralmente passávamos a noite. No dia seguinte tomávamos outro ônibus para Uberlândia, de lá a Araguari e de lá, finalmente, para Ipameri, aonde chegávamos ao anoitecer.

          Era uma senhora jornada, mas a diversão também era enorme. Numa noite em Ribeirão Preto resolvemos não ir para o hotel e ficar na praça, éramos jovens, tínhamos saúde e a grana era curtíssima. Foi engraçado porque o Amado se comportou como se estivesse no hotel, abriu a mala, trocou de roupa, arrumou o banco da praça e se deitou. De madrugada percebemos que tudo estava fechado na cidade, menos a nossa fome.

          Saímos em busca de algum bar aberto e de repente vimos luzes acesas em uma padaria, nos aproximamos e percebemos, pelo movimento, que ela abriria as portas a qualquer momento. Então ficamos em pé bem rente à porta, congelados pelo frio da madrugada de Ribeirão Preto. Quando o dono da padaria puxou a porta de aço e deu de cara com nós dois, congelados, com fome e com os olhos esbugalhados pelo cansaço da viagem, quase morreu de susto. Quando reanimamos e acalmamos o dono da padaria, explicando porque estávamos ali naquelas condições, ele riu muito, disse que quando era jovem também passara por aquilo e nos deu tantos pães quanto desejássemos. Foi muito bom, matamos a fome e a sede, porque depois tivemos que beber cinco litros de água para desembuchar.

          Certa vez resolvemos fazer uma viagem com todo o alto comando do internato. Planejamos uma ida a Cabo Frio, mas devido à falta de fundos teríamos que pegar carona. Em um sábado bem cedo nos encontramos na Praça 15, tomamos uma barca para Niterói e, de lá, um ônibus até a rodovia para Cabo Frio. Esta foi a parte fácil desta estória. A ordem era nos separarmos em grupos de dois e "ir andando" enquanto não aparecia a carona. Este "ir andando" quase nos levou a Cabo Frio.

          Finalmente apareceu uma Kombi com um padre que revelou só ter nos dado carona por ter visto o nome do colégio em nossas camisetas (pensando ser do Colégio São José do Rio de Janeiro, de padres). Mentimos com a cara mais limpa que conseguimos, pois não agüentávamos mais caminhar. Num acampamento de sete homens apareceu uma mulher, como todos tentamos cantá-la sem sucesso decidimos sorteá-la ao cair da noite. Havia duas barracas, em uma ficariam seis homens miseráveis e em outra uma mulher e um felizardo.

          Terminado o sorteio fomos para as barracas. Ficamos com os olhos e ouvidos atentos ao que acontecia na outra, mas nada! No dia seguinte veio a explicação: A moça chorou, contou sua vida todinha e depois eles decidiram dormir, sendo que ela acordou cedinho e foi embora. O tal felizardo teve que voltar correndo para o Rio, para escapar de nossa fúria. Outro fato engraçado desta viagem foi que um colega nosso apelidado Maguila (imagine o tamanho dele) resolveu dormir a última noite fora da barraca, porque lá estava muito apertado. Na manhã seguinte nos levantamos, reunimos nossas coisas, desmontamos as barracas e, na hora de partir, sentimos falta do Maguila. Cadê o Maguila? Ele havia se enterrado na areia por causa do frio da madrugada e quase que não o encontramos. como dormia o desgraçado!



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