08. OS COMPANHEIROS
(fatos ocorridos entre 1952 e 1954)

          Minha melhor amiga era minha irmã Marizete, porque nós estávamos sempre nos mudando por causa do trabalho do meu pai. Eu adorava as mudanças, mas havia sempre a tristeza da perda de bons amigos. Mesmo minha irmã sendo seis anos mais nova, às vezes um só tinha ao outro como companhia e sempre adoramos brincar e brigar juntos, como nós brincávamos cada qual com seus brinquedos e sempre muito respeitosamente, não havia qualquer problema.

          
Depois de minha irmã vinha o Valério Aristides Lopes, grande amigo de infância. O Valério era único, não existia alguém que a ele se pudesse comparar, seja como cientista maluco ou como explorador, seja como inventor de engenhocas esquisitas ou como contador de estórias incríveis, ele foi meu primeiro e maior amigo, lamento imensamente que tenhamos perdido completamente o contato.

          Uma de suas descobertas foi o combustível sólido para foguetes de pequeno porte. Juntos nós fazíamos os foguetes e neles colocávamos o tal combustível. Começamos a lançar pequenos engenhos e logo estávamos lançando foguetes "tripulados" por pequenos animais. Para lançar os foguetes nós utilizávamos pavio de dinamite, um dia o pavio acabou e uma destas astronaves explodiu na cara do Valério que, por alguns meses, ficou parecendo um valente extra-terrestre.

          Ele era, sem dúvida, o gênio da turma. Para fazermos os foguetes cortávamos um pedaço de bambu (de uns 20 cm) com um nó incluído. Isto fazia com que uma extremidade ficasse aberta e a outra fechada. Pela extremidade aberta socávamos o combustível sólido (um pó preto parecido com a pólvora). Ao socarmos a última parte do pó incluíamos o pavio que ali ficava preso. Depois amarrávamos uma vara bem fina de bambu ao foguete, em forma de rabo, para dar estabilidade e colocávamos a cápsula na ponta do foguete com o tripulante. Esta capsula podia ser uma tampa de creme dental ou mesmo um dedal e o tripulante uma pobre formiga ou cigarra.

          Finalmente encaixávamos o foguete no tripé de madeira feito especialmente para ele e acendíamos o pavio. Era uma experiência inesquecível. Logo criamos nossa Associação de Cientistas Avançados, uma sociedade secreta onde seus associados registravam e repartiam as mais diversas experiências, científicas ou não. Com o tempo, acabamos tendo de aceitar a entrada nesta sociedade de toda a nossa turma, neste ponto as reuniões se transformaram em verdadeiros piqueniques e a associação acabou virando bagunça. Foi quando a extinguimos.

          O "seu Chiquinho", pai do Valério, tinha uma camionete chevrolet modelo 1929 e deixava o Valério dirigi-la, já que ele era um bom motorista e não havia polícia de trânsito em Ipameri naquela época. Os passeios na "furreca" eram incríveis, ela ficava sempre um pouco acelerada, de forma que a deixávamos seguir pela rua em marcha lenta enquanto pulávamos para fora e, às vezes, subíamos em sua caçamba, assustando todos pelo caminho, pois eles pensavam que a "furreca" estava com um motorista fantasma. Graças à calmaria reinante nas ruas de Ipameri naqueles tempos, nunca batemos a "furreca", mas fazíamos o diabo com ela.


           Tenho uma foto em que aparecem sentados em um banco da Praça da Liberdade eu, o Valério, o Joélcio e o Roberto Galvão, inseparáveis amigos da década de sessenta. Às vezes, olho esta foto e fico pensando, como grandes amigos como nós pudemos perder o contato. Atualmente mantenho contato só com o Joélcio. Sei que isto
ocorreu principalmente porque cada um mudou-se para uma cidade diferente, mas sinto culpa e tristeza por nosso afastamento.

Vários amigos participaram desta aventura que foi a minha infância e de vez em quando ainda me encontro com eles. Nesta lista estão meus primos José Carlos Vasconcelos, Marco Antônio Cunha e Maria Virgínia Cunha, minha namoradinha Helenice Porto, Valério Aristides Lopes e sua irmã Luciana, Beth Galli (já falecida), Beth Costa, Selim Jorge, Roberto Galvão, Joélcio e seu irmão "Barata", Luiz Sérgio Pacheco Santos e sua irmã Ana Maria. Giselle Nogueira, Eliane Dias (já falecida), Angélica Lima e seu irmão Caetano, Helton Perillo, “Zé Binga”, “Batalha” e “seu” João Najar.

A lista é grande, mas estes foram os mais próximos e constantes. Uma pena que a memória não me tenha permitido citar outros amigos que dividiram comigo estes anos felizes.



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