06.
A MANGUEIRA
(fatos
ocorridos entre 1952 e 1954)
Imponente
e altaneira, bem no meio do quintal de baixo, estava a mangueira,
hoje centenária, cenário de minha infância. Para nós
ela transformava-se em muitas coisas, como uma casa ou avião
em um piscar de olhos. Mas a mangueira nos impunha um desafio:
Escalar até seu último galho de onde se avistava toda a cidade
e de onde, com binóculos, tentávamos, sem sucesso, acompanhar
as corridas de cavalos no hipódromo.
Não
era nada fácil vencer seu desafio, era necessário perícia
e coragem, pois seus galhos eram grossos e escorregadios,
mas um dia ela nos avisava que já éramos homens e nos abria
seus braços. Era a suprema aventura. Depois de a termos escalado
algumas vezes começávamos a rir de nosso medo e covardia,
era fácil.
Tudo
é sempre assim... Não sei dizer quantas vezes eu, meus primos
e amigos despencamos de seus galhos, mas isto não era nada
quando comparado à imensa felicidade que nos proporcionava.
Bendito o momento em que meu avô tomou a decisão de plantá-la
ali, no centro do quintal de baixo, como o maior e mais majestoso
ente da família. O mais interessante foi o domínio da mangueira
em sucessivas gerações da grande família.
Aqueles
que há pouco tempo ali pulavam e brincavam como macacos,
sobre a nossa dolorosa inveja, alguns anos depois chegavam
para rirem de nós: "Estas crianças não tem jeito!" Mas não deixavam
de, discretamente, alisarem aquela árvore mágica, que encantou
suas infâncias. Quando um grupo amadurecia e abandonava a
casinha na árvore, outro vinha e a ocupava com o orgulho de
quem conquistou uma montanha.
Naquela
casinha discutíamos nossos planos de guerra de mamonas contra
os inimigos do outro quarteirão, fingíamos que éramos audazes
pilotos de caça ou bombardeiro, beijávamos nossas primeiras
namoradinhas. Enfim, era o local mágico onde os meninos, através
de atividades sadias, começavam a se sentir homens, portanto
era sagrado.
No
decorrer de minha geração, quando a ocupávamos, a casinha
ruiu durante uma forte chuva e não conseguimos reerguê-la.
Foi uma tragédia. Será que seremos os únicos da família a
não termos uma casinha na mangueira? Foi quando minha tia
ganhou uma geladeira e seu caixote foi jogado no quintal.
Que barato! No início o deixamos no chão e brincávamos nele
como se ele fosse um avião. Eu era piloto e minha irmã, Marizete,
era aeromoça. Mas logo os passageiros (meus primos e amigos)
começaram a pensar em colocá-lo na mangueira. Então pensei,
não vamos transformar este caixote em outra casinha. Vamos
fazer algo diferente, só nosso. Imaginei o que seria melhor
do que uma casinha-avião e logo concluí: um submarino!
Cavamos
durante uma semana um buraco no quintal de cima. Todos pensavam
que estávamos fazendo uma piscininha. Aí colocamos a grande
caixa, cobrimos com alguns centímetros de terra e abrimos
uma pequena passagem em cima. Foi incrível, pena que depois
de alguns dias nossos tios ficaram encucada com aquele
"clube subterrâneo" e nos ordenou que transformássemos o caixote
em outra casinha na mangueira. Mas não esquecemos a aventura e ainda ganhamos outra casinha na mangueira.